Boca

O câncer de boca ou câncer oral inclui tumores que podem se desenvolver em várias partes da boca, em seu revestimento interno (mucosa), nas gengivas, na parte visível da língua, no soalho bucal (a parte que fica embaixo da língua), no palato (céu da boca) e na área atrás dos dentes do siso, que os médicos chamam de trígono retromolar. A boca tem vários tipos diferentes de células e, por isso, pode ser atingida por diversos tipos de câncer. Porém, os locais em que os tumores aparecem com maior frequência são a língua e o lábio, principalmente o inferior, e o tipo mais comum é o chamado carcinoma espinocelular (ou epidermoide).

O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima que, em 2020, o País terá 15.190 novos casos de câncer de boca, 11.180 em homens e 4.010 em mulheres. O tabagismo, em todas as suas formas (cigarro, cachimbo, charutos, rapé e fumo mascado), e o consumo de bebidas alcoólicas, são os principais fatores de risco para o câncer de boca. Mas a doença pode ocorrer mesmo em pessoas que nunca fumaram ou beberam. Por causa da localização, um número significativo de casos câncer de boca pode ser identificado por dentistas ou até mesmo pelo próprio paciente. No entanto, infelizmente, a maioria é diagnosticada em estádios avançados e mais difíceis de tratar.

Alguns tumores de boca são benignos, pois não invadem outros tecidos nem se espalham por outros órgãos, mas precisam ser removidos. Existem também crescimentos celulares que podem parecer inofensivos de início, mas que, com o tempo, podem se tornar malignos. São as chamadas lesões cancerizáveis. Leucoplasia e eritroplasia descrevem áreas anormais na boca que costumam ser encontradas no exame clínico executado por médico ou dentista. A leucoplasia é uma área esbranquiçada, enquanto a eritroplasia é uma área avermelhada, levemente elevada, em geral assintomática, que não sai quando se raspa a lesão. A gravidade da leucoplasia ou da eritroplasia só pode ser determinada por um exame clínico complementado, quando necessário, por uma biópsia.

Essas áreas esbranquiçadas ou avermelhadas podem ser cancerosas ou ainda não transformadas, mas já apresentando alterações precursoras de câncer, a chamada displasia, que pode ser leve, moderada ou severa, dependendo de quanto suas células parecem anormais ao microscópio. Saber o grau de displasia ajuda a prever a probabilidade de a lesão evoluir para um câncer, desaparecer sozinha ou com tratamento. Geralmente, a displasia desaparece quando se elimina o agente causador, ou seja, quando o paciente para de fumar, ou se remove uma causa de traumatismo local crônico.

A irritação provocada por dentes ásperos, superfícies irregulares em obturações, coroas ou dentaduras contra a língua ou o interior das bochechas também pode causar leucoplasia ou eritroplasia.

Na maioria das vezes, a leucoplasia é uma condição benigna que raramente evolui para câncer. Contudo, cerca de 25% das leucoplasias ou são cancerosas quando detectadas ou envolvem alterações pré-cancerosas que evoluem para câncer em períodos tão longos como 10 anos se não forem tratadas. Geralmente, a eritroplasia é mais séria e de 70% a 95% dessas lesões são cancerosas na época da biópsia inicial ou vão evoluir para um câncer.

O carcinoma verrucoso é uma variante do carcinoma espinocelular, que responde por menos de 5% dos tumores da boca. É um câncer de baixa agressividade, que raramente produz metástases, mas que pode se espalhar profundamente pelos tecidos vizinhos. Por isso, o carcinoma verrucoso precisa ser removido.

Cânceres das glândulas salivares menores podem se desenvolver nas glândulas encontradas logo abaixo do revestimento da boca. Há vários tipos de câncer das glândulas salivares menores, incluindo carcinoma adenocístico, mucoepidermoide e adenoma pleomórfico (tumor benigno, mas que pode malignizar).

Os sinais e os sintomas de câncer de boca variam de pessoa para pessoa e muitos deles são comuns a várias doenças benignas. No entanto, como a detecção precoce é fator decisivo para o sucesso do tratamento, é importante consultar um dentista ou um especialista em otorrinolaringologia ou em cabeça e pescoço se apresentar algum dos sintomas abaixo. Ferida na boca que não cicatriza (sintoma mais comum) Dor na boca que não passa (comum em fases mais avançadas do câncer) Nódulo persistente ou espessamento de qualquer local da boca Área vermelha ou esbranquiçada de qualquer local da boca Dificuldade para abrir a boca ou para mastigar Dificuldade para mover a mandíbula ou a língua Dormência da língua ou de outra área da boca Inchaço da mandíbula que faz dentadura ou prótese desencaixar ou incomodar Dentes que ficam moles ou frouxos na gengiva ou dor em torno dos dentes ou da mandíbula Sangramento na boca Mau hálito persistente Perda de peso inexplicável

FATORES DE RISCO

Os fatores que aumentam a probabilidade de desenvolver câncer de boca são: Fumo: fumantes de cigarro, cachimbo (associado ao câncer de lábio), charuto ou narguilé, pessoas que mascam fumo (associado ao câncer da parte interna dos lábios, das bochechas e das gengivas) representam 90% dos casos de câncer de boca e o risco é proporcional à quantidade de fumo consumida. Ou seja, quanto maior o consumo, maior o risco. A chance de essas pessoas desenvolverem câncer de boca é de seis a 16 vezes maior que entre as não fumantes. Fumo passivo também é fator de risco. Álcool: sozinho, o consumo de bebidas alcoólicas já é um fator de risco importante, particularmente entre os chamados bebedores pesados, que bebem mais de 21 doses de álcool por semana. O risco é seis vezes maior para quem bebe do que para quem não bebe. Combinado com o fumo, o risco se multiplica. Idade: metade dos pacientes com câncer de boca tem mais de 60 anos, mas pode aparecer em idades mais jovens, inclusive na adolescência. Sexo: dois terços dos pacientes são homens. Sexo oral e HPV: o papilomavírus humano (HPV), que pode ser transmitido por meio de relações sexuais desprotegidas, é uma das causas da doença. Por isso, é importante utilizar preservativo, inclusive durante a prática de sexo oral. Irritações da mucosa bucal: dentaduras, pontes e coroas que não estão bem ajustadas e dentes fraturados podem traumatizar cronicamente a mucosa e causar câncer. Por isso, essas próteses precisam ser avaliadas periodicamente pelo dentista; as dentaduras devem ser removidas e limpas todas as noites. Imunossupressão: pessoas que tomam drogas imunossupressoras, para evitar a rejeição de um transplante, por exemplo, também podem ter risco aumentado para câncer de boca. Exposição ao sol: mais de 30% dos pacientes de câncer de lábio são profissionais que trabalham ao ar livre, expostos à radiação ultravioleta do sol. Protetor labial com filtro solar ajuda na prevenção. Alimentação: dietas pobres em frutas, legumes e verduras também estão associadas a maior risco de câncer de boca.
Diante da suspeita de um câncer de boca, a primeira coisa a fazer é procurar um especialista, ou seja, um dentista estomatologista, um cirurgião de cabeça e pescoço ou otorrinolaringologista, que vai avaliar o caso e pedir exames para descartar ou confirmar a suspeita de câncer. O exame fundamental para confirmar o diagnóstico é a biópsia, que pode ser feita em consultório ou centro cirúrgico, dependendo da localização do tumor. Se a biópsia for feita no consultório, a região receberá anestesia local. Se o tumor estiver na parte de trás da boca, o procedimento será feito em centro cirúrgico sob anestesia geral. Os exames por imagem podem incluir tomografia computadorizada, ressonância magnética, tomografia por emissão de pósitrons (PET-CT), raios-X (incluindo dentários).

ESTADIAMENTO

O estadiamento é uma forma de classificar a extensão do tumor e se ele afetou os gânglios linfáticos ou outros órgãos. Para isso, é usada uma combinação de letras e números: T de tumor, N de nódulos (ou gânglios linfáticos) e M de metástase, além de números que vão de 0 (sem tumor, sem gânglios afetados ou sem metástase) a 4, que indica maior acometimento.
As opções de tratamento para pacientes com câncer de boca são cirurgia e radioterapia, sozinhas ou combinadas entre si ou com quimioterapia ou imunoterapia, dependendo do estádio do tumor. O médico vai abordar as diversas alternativas com o paciente, que devem levar em consideração o estado geral de saúde, o tipo e o estádio do tumor, as chances de cura e o impacto do tratamento na fala, na mastigação e na deglutição do paciente. Várias cirurgias são comumente usadas para tratar o câncer de boca, dependendo da localização e do estádio do câncer. Mais de uma cirurgia pode ser necessária, tanto para o tratamento como para restaurar a aparência e a função dos tecidos afetados pela doença e pelas terapias. Na ressecção (retirada) do tumor primário, se for pequeno e acessível, todo o tumor e parte dos tecidos normais ao seu redor são retirados pela boca, por exemplo. A ressecção total ou parcial de mandíbula é a cirurgia usada quando há indícios de que houve invasão do osso da mandíbula. Se houver limitação do movimento, possivelmente porque o tumor se infiltrou no osso e não houver evidência dessa invasão nos raios-X, então é feita uma ressecção parcial de mandíbula. Se houver evidência em raio-X de destruição do osso, então a retirada de uma parte maior da mandíbula pode ser necessária. Quando o câncer atinge o céu da boca ou a gengiva superior é necessário fazer a ressecção do osso por meio de uma cirurgia chamada maxilectomia ou maxilectomia parcial. O defeito no céu da boca resultante desse procedimento pode ser corrigido com tecidos do próprio corpo ou com uma prótese. O câncer de boca, muitas vezes, atinge os gânglios linfáticos do pescoço. Dependendo do estádio e da localização exata do câncer, pode ser necessário remover esses nódulos por meio de uma cirurgia chamada esvaziamento cervical. O objetivo é remover os gânglios linfáticos atingidos ou suspeitos de conter câncer. A quantidade de tecido removido depende do tamanho do tumor primário e da extensão da disseminação para os gânglios linfáticos. Na dissecção parcial ou seletiva de pescoço, apenas alguns nódulos linfáticos são retirados. Na dissecção chamada radical, a maioria dos gânglios linfáticos de um dos lados do pescoço, entre a mandíbula e a clavícula, bem como músculo e até mesmo alguns nervos podem ser removidos. Os efeitos mais comuns de qualquer dissecção de pescoço são dormência da orelha (causada por ressecção do nervo grande auricular), fraqueza ao erguer o braço acima da cabeça (causada por ressecção do nervo espinhal acessório) e fraqueza do lábio inferior (causada por comprometimento dos ramos inferiores do nervo facial). Na dissecção seletiva, a fraqueza do braço e do lábio inferior geralmente desaparece depois de alguns meses. Contudo, se algum nervo precisa ser retirado como parte do esvaziamento cervical ou por envolvimento de tumor, a fraqueza será permanente. Depois de qualquer dessas cirurgias, é preciso fazer fisioterapia para o paciente melhorar a movimentação do pescoço e dos ombros. Se o paciente tiver indicação para radioterapia, é preciso que ele passe por uma avaliação dentária. Dependendo do plano de radioterapia, pode ser preciso extrair alguns ou todos (raramente) os dentes do paciente. Se parte da mandíbula for reconstruída com osso de outra parte do corpo, é possível fazer implantes dentários ao mesmo tempo em que é feita a reconstrução ou posteriormente a ela. A radioterapia pode ser utilizada no tratamento do câncer de boca tanto para eliminar eventuais depósitos de células cancerosas que não podem ser vistas ou retiradas na cirurgia como para aliviar sintomas como dor, sangramentos, dificuldades para engolir e problemas causados por metástases ósseas. A radioterapia utiliza uma fonte externa, a convencional, mas de alta precisão, com dosagem e posicionamento calculados por computador. São necessárias cinco sessões semanais ao longo de um período que varia de cinco a sete semanas. A radiação pode provocar lesões na boca e dificultar a deglutição, tornando difícil a alimentação durante o tratamento. Quando isso acontece, os médicos podem fazer uma cirurgia simples chamada gastrostomia, para colocar um tubo no estômago e alimentar o paciente com uma dieta líquida. Outra opção é o uso de uma sonda nasogástrica, que é introduzida pelo nariz e vai até o estômago. A radioterapia também pode causar perda parcial ou completa do paladar e afetar as glândulas salivares, podendo tornar a boca seca. Danos de longo prazo aos ossos também podem ocorrer. O principal sintoma da osteorradionecrose é a dor no osso, que também fica mais sujeito a fraturas. Algumas vezes, o osso quebrado se consolida, mas em outras é preciso removê-lo cirurgicamente. Dentes submetidos à radiação podem ficar cariados e, por isso, visitas ao dentista e aplicações de flúor podem ajudar a contornar o problema. A quimioterapia é o uso de drogas anticâncer, por via oral ou injetadas, que agem na corrente sanguínea e podem alcançar células cancerosas que atingiram órgãos distantes da cabeça e do pescoço. Às vezes, essa terapia é utilizada para reduzir o tumor antes da cirurgia ou da radioterapia, na chamada quimioterapia neoadjuvante, e também como tratamento paliativo dos casos de câncer de cabeça e pescoço grandes demais para serem inteiramente removidos ou ainda para tumores que não são controlados por radioterapia. A quimioterapia também é usada com a radioterapia para reduzir tumores que não podem ser removidos cirurgicamente. Para alguns casos selecionados, pode ser indicada a imunoterapia: ao contrário da quimioterapia que atua diretamente sobre as células tumorais, esta modalidade de tratamento ajuda as defesas do organismo a combater a doença.

Reconstrução

Como o tratamento de alguns tipos de câncer de cabeça e pescoço envolve a perda de parte da estrutura óssea do rosto, os efeitos podem ser significativos. Cirurgias da mandíbula, palato (céu da boca) ou língua também podem comprometer a fala. É importante, porém, saber que avanços recentes, tanto na produção de próteses como nas técnicas de cirurgia plástica podem dar ao paciente uma aparência praticamente normal. Quando a quantidade de tecido sadio retirado com o tumor é pequena, não costuma haver necessidade de reconstrução; mas a cirurgia reconstrutora pode ser necessária para reparar defeitos na boca, na garganta e no pescoço provocados pela remoção de tumores maiores. Algumas vezes, uma fina secção de pele, tirada da coxa ou do abdome, pode ser usada para reparar um pequeno defeito. Para extensões maiores, porém, uma parte de músculo, com ou sem pele, pode ser deslocada de uma área próxima, como o peito (retalho miocutâneo de peitoral maior) ou parte superior das costas (retalho miocutâneo de trapézio). Graças aos avanços da microcirurgia vascular (sutura de pequenos vasos sanguíneos com a ajuda de microscópio), os cirurgiões dispõem de mais opções para a reconstrução da boca. Tecidos de áreas distantes como intestino, músculos e pele do braço, músculos e pele abdominais ou ossos da perna ou da bacia, podem ser usados para repor partes da boca ou da mandíbula. Em centros de tratamento especializados, como o A.C.Camargo Cancer Center, as cirurgias reconstrutivas são planejadas em conjunto com a equipe que realiza os procedimentos para tratamento, otimizando, assim, os resultados dos dois procedimentos.